quinta-feira, 2 de maio de 2013

Hetohoky - o ritual de iniciação dos meninos Iny

Hetohoky (casa grande) é o ritual que marca a passagem de menino uladu para menino jyrè. Depois de iniciado, o jyrè poderá frequentar o Ijoina (pátio dos homens) e auxiliar nas tarefas masculinas, tais como: caça, pesca e manutenção da casa dos Ijasò (Aruanã, seres que pertencem a cosmologia Iny). A preparação do ritual leva em torno de um semestre. Durante este período, o Hyri (pajé) convida os Ijasò que participarão da festa e a aldeia agrada-os com comida e dança. No período de cheia, em torno do mês de março, o chefe cerimonial dá ordem para buscar o mastro Tòò e começa a preparação para a construção do Hetohoky (casa grande), que abrigará os jyrè, do Hetoriorè (casa pequena) e do Hererawo (corredor que liga as duas casas). Quando a arquitetura está concluída, a comunidade convida os worosy (espírito dos mortos) e os broturè (convidados que apoiarão os jyrè) da aldeia vizinha e, então, o chefe cerimonial guia os momentos da grande festa, na qual os participantes cantam, dançam, praticam disputas e lutas tradicionais até o amanhacer. No raiar do dia, os meninos são levados para dentro da Casa Grande onde irão ouvir conselhos, aprender tarefas e adquirir o conhecimento necessário para se tornar um verdadeiro homem Iny.




“Meu povo, eu estou fazendo a festa da
Casa Grande. Meu filho também está
participando, estou muito feliz, todos
temos que estar felizes. Devemos usar
nossa vestimenta tradicional. Não podemos
esquecer nossa cultura. É preciso
ensinar as histórias e as músicas tradicionais
para os nossos filhos, música
de aõni e ijasò. É isso que temos que
cantar. É isso que eu estou pedindo
para vocês. Vamos respeitar a cultura
Karajá. Não vamos desistir, não vamos
nunca esquecer o que é nosso.”

Sokrowè Karajá (Pajé da aldeia Hawalò, março 2010)
Worosy desfilam pela aldeia

Worosy desfilam pela aldeia

Worosy aguardam a chegada dos convidados da aldeia vizinha

Worosy cantam e dançam

terça-feira, 30 de abril de 2013

Mostra de Arte INY BEDEDYYNANA na Galeria de Arte do Memorial dos Povos Indígenas em Brasília.


Em comemoração ao dia do índio, no dia 19 de abril, inauguramos na Galeria de Arte do Memorial dos Povos Indígenas, em Brasília, a Mostra de Arte INY BEDEDYYNANA. A exposição apresenta exemplares da cultura material Karajá, com destaque especial para a arte figurativa das ceramistas da Aldeia Hawalò (TO), as famosas RITXOKO, recentemente tombadas como patrimônio cultural do Brasil pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). Na ocasião foi lançado o catálogo INY|Karajá – Bero Mahãdu (Povo do Rio), uma publicação trilíngue, Português, Inglês e Karajá, produzida pelo Museu do Índio, no âmbito do projeto Índio no Museu e do PRODOCLIN|KARAJÁ. A mostra de arte e o catálogo têm a curadoria da pesquisadora Chang Whan.

Mostra de Arte INY BEDEDYYNANA

Curadora Chang Whan, diretora substituta do Museu do Índio Arilza de Almeida e Secretário de Cultura Hamilton Pereira da Silva na galeria de arte do MPI 


Memorial dos Povos Indígenas

Como parte dos eventos da Semana do Índio, um grupo de dança Karajá, com 12 integrantes provenientes das aldeias Bàtõiry e Hawalò, veio a Brasília para cinco apresentações de danças, cantos e luta tradicional Iny, o que muito encantou o público do Memorial.   Duas caixas do catálogo (120 exemplares) foram entregues aos representantes das aldeias Hãwalò e Bàtõiry, configurando, com isso, o retorno de parte dos trabalhos realizados em parceria com as comunidades Karajá, no âmbito dos projetos PRODOCLIN|Karajá e Índio no Museu Iny|karajá.

Apresentação do grupo Karajá.
Apresentação do grupo Karajá
Iny mahãdu com crianças de escolas de Brasília.
Iny mahãdu com o catálogo Bero Mahãdu

segunda-feira, 25 de março de 2013

Por que o índio urbano incomoda tanta gente?



O mundo mudou muito nos últimos 500 anos. A tecnologia rudimentar utillizada pelos homens evoluiu rapidamente com a revolução industrial e tecnológica que nos trouxe máquinas de grande porte, além de  permitir a transmissão de energia elétrica e a disseminação dos sistemas de comunicação ao redor do planeta. Essas grandes revoluções tiveram forte impacto na vida dos grupos humanos tornando mais veloz a comunicação e a profusão de saberes.

Grande parte da sociedade dita brasileira é uma das que mais têm acesso aos meios comunicação como internet no mundo e nosso país apresenta um dos  maiores número de linhas de celular ativas. Contudo, ainda nos achamos no direito de vetar os recursos tecnológicos aos nossos irmãos nativos, aos indígenas.  Muitas vezes ouvimos o discurso de que “índio que usa celular não é índio”, que “os grupos indígenas deveriam estar na floresta”. Contudo, sem acesso  às novas formas tecnologia como as comunidades indígenas poderão lutar pelos seus direitos? Como poderão registrar seus cantos e danças? Como poderão unir suas tecnologias ancestrais com as atuais? 

Durante a invasão à aldeia Maracanã muitas pessoas, com acesso aos meios de formação e comunicação, repetiram o discurso acima, de que lugar de índio é na floresta. Fiquei muito assustada quando li neste sábado, dia 23 de março, uma matéria do jornal GLOBO ao ressaltar que um dos manifestantes da aldeia Maracanã, apesar de índio, morava na Tijuca e era formado em história e antropologia, como se a formação acadêmica ou o fato dele morar na cidade o descaracterizasse como indivíduo indígena. Como podemos ainda pensar dessa forma? As populações nativas têm os mesmos direitos à cidadania como  qualquer outro cidadão dito brasileiro. Nem entrarei aqui no mérito de vários grupos indígenas, como os Guarani-Kaiwoa, que mesmo morando em área não-urbana também têm seu território imemorial invadido. O que me espanta é a ignorância de muitas pessoas que ainda acreditam ser viável e legítimo o congelamento social e cultural de grupos humanos. 
Exibição de vídeo sobre o ritual tradicional promovido pela equipe PRODOCLIN|Karajá
 
O Projeto de Documentação da Língua e Cultura Karajá caminha na corrente oposta. Acreditamos que é fundamental o acesso aos meios de comunicação e formação acadêmica aos povos indígenas, pensamos que estes grupos étnicos devem fazer parte do processo de crescimento da nação chamada Brasil. No âmbito do Projeto, procuramos promover oficinas de capacitação visando gravação de áudio e vídeo, fotografia e manuseio de softwares para anotação linguística.

Pesquisadora Chang Whan demonstra utilização de câmera de vídeo durante oficina de documentação em Hawalò (TO)

Linguístas Luiz Amaral, Marcus Maia e Cristiane Oliveira promovem Oficina de Produção de Material Didático para professores Karajá

O PRODOCLIN|Karajá doou à aldeia Hawalò (TO) uma câmera de vídeo semi-profissional, uma câmera de fotografia profissional, um gravador de áudio Zoom e um laptop HP com softwares de anotação linguística desenvolvidos por grandes institutos preocupados com a documentação de línguas ameaçadas. Estes equipamentos são utilizados pelos pesquisadores indígenas para registro de cantos, danças, rituais e qualquer outra forma de manisfestação linguística e cultural. Além disso, a equipe se reúne mensalmente por email, ou por meio do software Skype para dar continuidade aos trabalhos de documentação e análise da língua e cultura Iny (Karajá).

Mawysi e Hatawaki durante treinamento de vídeo em Oficina de Documentação promovida pelo PRODOCLIN (RJ)

Mawysi e Hatawaki durante treinamento de áudio em Oficina de Documentação promovida pelo PRODOCLIN (RJ)

Pesquisador Axiawa durante treinamento com softwares de anotação linguística em São Félix do Araguaia (MT)

Pesquisador Juahanu em momento de captura de vídeo em Bàtoiry (TO)
O mundo e as pessoas estão em constante movimento não há como paralisar uma língua ou uma cultura. Devemos ter em mente que o acesso à informação, à educação e à cidadania é um direito de todos e deve ser assegurado a todos aqueles que vivem nesta terra.

Criança Karajá se familiariza com equipamento de vídeo
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 Cristiane Oliveira, coordenadora do PRODOCLIN|Karajá

sábado, 16 de março de 2013

As mulheres que namoraram com o Jacaré



Já ouviram falar da história das mulheres que namoraram com o Jacaré? É uma narrativa oral que apresenta várias versões contadas por diferentes etnias indígenas brasileiras. Abaixo uma das versões da história do jacaré namorador, Kabròbrò Ijyky, contada por Mxa Karajá, na aldeia Hawalò, em 2009, com legenda em português. 



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Esta narrativa faz parte do acervo PRODOCLIN e conta com três linhas completas de anotação linguística: transcrição fonética, transcrição ortográfica em Karajá e tradução para a língua portuguesa. O arquivo pode ser acessado por meio do servidor do PRODOCLIN|Karajá, gerenciado pelo Museu do Índio_RJ.
 




quinta-feira, 7 de março de 2013

A Língua Karajá – Diferentes falares



O povo Iny, ou simplesmente Iny Mahãdu, é mundialmente reconhecido como Karajá, nome que há muito tempo foi usado por outros índios para se referirem aos Iny e acabou sendo mais divulgado.  Os Karajá, Javaé (Ixãju mahãdu) e Xambioá (Ixã biòwa) formam a “nação” Iny, e, apesar de algumas pequenas diferenças, compartilham da mesma matriz cultural e linguistica. 

Acervo PRODOCLIN|Karajá: momento do ritual de iniciação dos meninos

Segundo censo da FUNASA de 2010, a população atual é de aproximadamente 3200 pessoas distribuídas em cerca de 20 aldeias. Praticamente todos os Iny falam a língua Karajá que é, geralmente, a primeira língua adquirida pelas crianças em quase todas as comunidades da etnia. O Karajá e suas variantes dialetais, ou Inyrybè (fala dos Iny),  foram classificados como pertencentes ao tronco linguístico Macro-Jê, família Karajá.

No Inyrybè, existem algumas palavras que apresentam diferenças fonéticas entre a fala do homem e a da mulher. Essa diferença faz parte da cultura sendo obrigatório o uso da fala feminina pela mulher e da masculina pelo homem. Só quando vão reportar a fala de outra pessoa que utilizam o modo de falar do outro gênero. As vezes, também falam com os filhos conforme a fala de cada sexo para que as crianças possam aprender direitinho e não se confundir. Há diferentes processos fonológicos que marcam a diferença entre as falas do homem e da mulher que foram observados pela linguista Mônica Borges (1997) e podem ser averiguados em sua dissertação. O processo mais recorrente é a inserção do fonema /k/ em algumas palavras na fala feminina, como podemos observar nos exemplos abaixo:


Fala do Homem
Fala da Mulher
Português
iura
Iura by Doclin Iny
ikura
Ikura by Doclin Iny
branco
anahak
Anahaka by Doclin Iny
knahakỹ
Knahaky by Doclin Iny
crumatá
axiò
Axiò by Doclin Iny
axikò
Axikò by Doclin Iny
antebraço

O Inyrybè é uma língua tão bonita e possui tantas propriedades peculiares que vários pesquisadores vão às aldeias Iny para tentar compreendê-la melhor. Os linguistas que inicialmente se propuseram estudar esta língua  foram David e Gretchen Fortune nos anos 50. Desde então, vários pesquisadores da área foram atraídos por suas particularidades e desenvolvem trabalhos para tentar descrever melhor seus fenômenos linguísticos. Além dos pesquisadores tori (não indígenas), há também os professores e pesquisadores Iny que desenvolvem estudos e análises pertinentes que, inclusive, são repassados nas escolas das aldeias. Mesmo assim, ainda são poucos os trabalhos sobre o Karajá. É necessário mais gente disposta a estudar as linguas indígenas brasileiras, todas carentes de documentação e análise. 

Acervo PRODOCLIN|Karajá: Casa tradicional Iny

É cada vez maior a conscientização da necessidade de preservação das línguas e culturas indígenas  como forma de manter, resgatar e salvaguadar a identidade destes povos.  Por isso, o  Museu do Índio, órgão da FUNAI, em parceria com a UNESCO e o Banco do Brasil vem desenvolvendo desde 2009 o Projeto de Documentação de Línguas e Culturas Indígenas Brasileiras (PRODOCLIN) que contempla cerca de doze etnias de diferentes regiões do Brasil. Os Iny estão entre os povos inicialmente selecionados e possuem uma equipe que desenvolve diferentes trabalhos de documentação sobre a lingua e cultura Karajá (PRODOCLIN|Karajá).