Em um mundo sub-aquático, Berahatxi, os ancestrais dos
atuais Iny viviam uma vida plena e feliz. Não se conhecia a doença, a velhice,
ou a morte. Mas aquele mundo paradisíaco original era meio escuro. Ocorreu que,
uma vez, um deles, chamado Woubedu, avistou um pequeno feixe de luz que vinha
de um buraco acima. Movido por curiosidade, ele resolveu subir para averiguar o
que era, constatando, então, que se tratava de uma passagem para um outro
lugar, um outro mundo. A curiosidade o fez prosseguir, e transpor a passagem, chegando
ao mundo da superfície, onde Woubedu viu um mundo de muita luz, calor e muitas
cores, com lindas paisagens, praias de areia branca, muita vegetação, animais,
e aves de grande beleza. Encantado, ele voltou e contou à sua família sobre o
que vira. Resolveram então todos subir e passar pelo buraco para ver o tal
mundo. Maravilhados, saíram na superfície, comeram frutos, deitaram nas praias,
e resolveram aí ficar vivendo. Kboi, que vivia no mundo sub-aquático com sua
família, também ficou curioso e resolveu atravessar o buraco para ver do que se
tratava. Só que, por ser gordo e barrigudo, ele não conseguiu passar pelo
buraco, ficando entalado pela barriga. Do lugar onde estava, ele, então, se pôs
a observar aquele mundo. Kboi pôde, assim, observar que havia uma árvore caída
na beira do rio sem vida, morta. Um pouco adiante, ele viu uma criança, que
estava no alto de uma árvore, cair e se machucar. A criança, sentindo dor,
começou a chorar. Viu também um velho curvado, caminhando com dificuldades. Kboí
então pensou: “Este mundo é bonito e bom, mas tem velhice, morte e dor. Melhor
eu voltar e viver com a minha família aqui embaixo mesmo”. Assim pensando, Kboì
voltou e contou para o povo o que havia visto e pensado. Barahatxi mahãdu, o
povo de Berahatxi, resolveu então continuar vivendo lá embaixo das águas.
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| Foto do acervo PRODOCLIN|Karajá: Kboi representado em cerâmica figurativa |
Assim é que o mundo da superfície começou a ser povoado
pelos Iny, que originalmente vieram de Berahatxi. Algumas famílias seguiram o
curso do Rio abaixo, e outras famílias adentraram a ilha. Kboi e sua família
continuam vivendo até hoje, lá embaixo, no mundo de Berahatxi.
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| Foto do acervo PRODOCLIN|Karajá: Rio Araguaia (MT) |
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Texto adaptado da narrativa oral contada por Mahuederu Karajá. A narrativa foi gravada, transcrita, traduzida e adaptada pela equipe PRODOCLIN|Karajá sob coordenação da linguista Cristiane Oliveira (UFRJ) e supervisão da pesquisadora Chang Whan (UFRJ)
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